Leptospirose Canina
VIGNARD-ROSEZ, K.S.F.; ALVES, F.A.R.
INTRODUÇÃO
A leptospirose é uma doença
infecciosa, de notificação compulsória, causada pelas bactérias do
gênero Leptospira. Trata-se de uma das mais freqüentes zoonoses, sendo
observada principalmente nos meses mais chuvosos, em áreas alagadas
e/ou deficientes em saneamento. Tanto os animais domésticos quanto os
selvagens são reservatórios para esta enfermidade.
No cão, a leptospirose é
caracterizada por doença renal e/ou hepática aguda, e às vezes pode
levar a uma septicemia. Nos casos crônicos, observam-se seqüelas como
doença renal crônica. Em gatos esta enfermidade é rara.
ETIOLOGIA
A enfermidade é causada pela
Leptospira, uma bactéria aeróbia ou microaerófila, Gram-negativa,
pertencente a ordem das espiroquetas. À microscopia observa-se
morfologia em espiral, e freqüentemente um "gancho" nas extremidades
da célula bacteriana.
A leptospira não se multiplica fora
do hospedeiro, e sua sobrevivência fora dele depende das condições do
meio ambiente, sendo altamente sensível a ambientes secos e a pHs e
temperaturas extremas. O patógeno pode sobreviver no meio ambiente por
até 180 dias quando em solo úmido ou em águas paradas.
Tradicionalmente o gênero Leptospira
era subdividido em 200 sorovares, baseado nas diferenças antigênicas.
Todos os sorovares patogênicos eram classificados como L. interrogans,
e os não patogênicos eram incluídos na espécie L. biflexa.
Atualmente, o gênero é classificado de acordo com suas características
genéticas, em 7 genoespécies, 28 sorogrupos e vários sorovares e
genótipos. O cão é o hospedeiro primário das espécies L. canicola e L.
bataviae, geralmente associadas aos sintomas clínicos mais graves.
Apesar de menos freqüente, o cão pode também ser um hospedeiro
acidental das outras espécies de Leptospira, como L. gipptyphosa, L.
pomona, L. icterohaemorrhagiae e L.bratislava .
PATOGENIA
A Leptospira penetra pelas mucosas ou
pela pele lesionada. A transmissão em cães pode ocorrer por contato
direto de animais infectados ou, mais freqüentemente, por transmissão
indireta, onde um animal susceptível fica exposto a um ambiente
contaminado. Entre o 4o e 11o dia de infecção, a bactéria invade a
corrente sangüínea multiplicando-se rapidamente, dando origem a
leptospiremia. No início desta fase observam-se febre, leucocitose, e
albuminúria. Em animais susceptíveis, pode ocorrer a septicemia, onde a
bactéria invade os órgãos pelos quais ela tem maior tropismo, ou seja,
fígado, rins, baço, sistema nervoso central e olhos, podendo
ocasionar grandes danos. A Leptospira pode provocar petéquias ou
equimoses, icterícia, infiltrado inflamatório difuso de células
plasmáticas nos rins, necrose focal de parênquima hepático, colestase
intrahepática com lesão hepática severa. Neste estágio da doença o
animal poderá sucumbir devido a uma insuficiência renal ou hepática.
Ao final da bacteremia, 7 a 10 dias
após a infecção, geralmente a febre diminui e a bactéria é eliminada
da circulação sangüínea pelos anticorpos, o animal pode se recuperar. A
recuperação é mais rápida quanto menores forem as lesões nos órgãos.
No entanto, as bactérias que se alojaram em locais onde os anticorpos
não têm acesso, como córneas e túbulos renais, podem levar a uveíte e
leptospirúria.
A leptospirúria, ocorre em uma fase
mais tardia da enfermidade. Ela pode permanecer por meses até mesmo
anos constituindo uma fonte de infecção para os outros animais. Nestes
animais, a concentração de anticorpos decai, já que a bactéria,
situada nos túbulos renais, não estimula o sistema imune. Estes
animais podem apresentar-se soronegativos quando testados.
SINAIS CLÍNICOS
A sintomatologia depende de vários
fatores, em especial do hospedeiro. Sabe-se que a bactéria adaptou-se
aos reservatórios primários (roedores, animais silvestres) causando
infecções crônicas ou assintomáticas com fraca resposta imune. Por
outro lado, nos hospedeiros acidentais, as infecções costumam ser
agudas, com elevada resposta imune. Em cães, a sintomatologia da
leptospirose é variável, podendo apresentar-se sob as formas aguda,
peraguda ou crônica. Os sinais clínicos dependem da idade do animal,
imunidade do hospedeiro, fatores ambientais e a virulência do sorovar.
Infecções peragudas levam à
leptospiremia intensa, choque, e morte do animal. Em infecções menos
agudas observam-se febre, anorexia, vômitos incoercíveis,
desidratação, poliúria, polidipsia, e relutância ao movimento. Com a
progressão do quadro pode surgir oligúria e anúria.
Na forma crônica, podem não haver
sinais clínicos evidentes. O animal pode apresentar febre sem motivo
aparente e conjuntivite moderada a severa. No entanto, distúrbios
renais e hepáticos crônicos podem surgir em conseqüência da
leptospirose.
Animais jovens que não foram
vacinados, ou cujas mães não foram vacinadas, possuem um risco maior
de desenvolver a doença peraguda, podendo levar o animal a morte
devido a septicemia ou ainda intensa hemólise.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da leptospirose
consiste em detectar a bactéria no sangue ou na urina do animal
acometido ou demonstrar um aumento nos títulos de anticorpos para um
determinado sorovar. O diagnóstico laboratorial inclui hematologia,
urinálise, sorologia e identificação da bactéria em tecidos apropriados.
Paralelamente, deve-se realizar o
diagnóstico diferencial para uma variedade de enfermidades, como
anemia hemolítica autoimune, hepatite viral canina, neoplasia
hepática, neoplasia renal, nos casos agudos; e de brucelose canina e
herpesvírus (abortos) , nos casos crônicos .
TRATAMENTO E CONTROLE
O objetivo principal do tratamento
durante a fase aguda da doença é manter o paciente estável e prevenir a
extensão das lesões no fígado e rins, além de suprimir a
leptospirúria.
Os animais em fase aguda necessitam
de terapia intensiva de suporte dependendo da severidade do quadro. O
prognóstico é reservado quando já está instalada a insuficiência renal
e/ou disfunção hepática, e desfavorável em pacientes com choque ou
coagulação intravascular disseminada.
O uso de antibióticos inibe a
multiplicação destes organismos reduzindo complicações. Vários
antibióticos podem ser utilizados na eliminação da leptospiremia como
penicilina, ampicilina, amoxicilina. Estudos mais recentes têm
demonstrado alta eficácia da doxiciclina (5 a 10 mg/Kg BID) para o
tratamento da leptospiremia e principalmente da leptospirúria. Não devem
ser utilizados aminoglicosídeos e estreptomicina até a total
recuperação da função renal.
O controle deve ser feito através da
vacinação dos animais, visto a impossibilidade de eliminar os
reservatórios desta enfermidade. Este controle requer especial
atenção, haja vista a alta taxa de mortalidade apesar dos tratamentos
intensivos e de seqüelas irreversíveis. A vacinação tem sido efetiva
reduzindo a prevalência e severidade da doença.
INFECÇÃO NO HOMEM
Em 80% dos casos, o homem pode
infectar-se indiretamente pelo contato com água contaminada com urina
de animais infectados; ou diretamente por mordedura, manipulação de
tecidos contaminados e ingestão de alimentos ou água contaminados. A
contaminação direta entre pessoas é extremamente rara. A contaminação
humana ocorre principalmente em áreas alagadas, e em profissionais de
risco (agricultores, veterinários, etc.). É facilitada quando a pele
está amolecida (pelo efeito da água) ou lesada. Os principais sintomas
no homem são: febre (39o-40oC), tremores, dores de cabeça, mialgia,
artralgia, astenia, irritação ocular e conjuntivite.
Fonte: Cepav
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